Muito mudou com o avanço da tecnologia, mas isso não significa que não havia cultura e jornalismo antes das conexões virtuais. Pelo contrário...
A metodologia de levantamento acontece em três etapas:
Levantamento de iniciativas de comunicação nas cidades mapeadas, que consiste em listar veículos, comunicadores locais, projetos ou organizações que podem responder às perguntas específicas da segunda etapa da pesquisa.
Ferramentas de pesquisa: por meio de métodos digitais (buscas refinadas no Google, Facebook, Instagram) e busca manual da equipe de pesquisadoras por meio de contribuições públicas e rede de relacionamento, por exemplo.
Aprofundamento das informações sobre as iniciativas listadas. Além de coletar informações sobre cidade e bairros periféricos de atuação das iniciativas de comunicação, a pesquisa buscou entender o perfil de gênero e raça/cor dos responsáveis e outras relações como, por exemplo, envolvimento em iniciativas comunitárias, partidárias e religiosas.
Ferramenta de pesquisa: Envio do Formulário com as perguntas para os responsáveis pelas iniciativas ou entrevista feita pelo pesquisador que faz o preenchimento direto na planilha de mapeamento.
Checagem e validação dos dados. Limpeza, tratamento e padronização dos dados coletados. Depois de tratados, os dados são inclusos em uma base geolocalizada, para consulta no site, podendo o leitor fazer recortes específicos de seu interesse.
O mapeamento contemplou veículos e canais de difusão cultural nos bairros e periferias da capital paulista e dos 38 municípios que compõem a região metropolitana de São Paulo: Caieiras, Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha e Mairiporã (norte); Arujá, Biritiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano (leste); Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul (sudeste); Cotia, Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista (sudoeste); Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus e Santana de Parnaíba (oeste).
Nesta primeira fase do mapeamento, foram identificadas 470 iniciativas de comunicação nas 39 cidades da Região Metropolitana de São Paulo e capital. O levantamento mostrou que em 93% das cidades, há três ou mais iniciativas de comunicação em atividade.
Foi possível identificar a raça do responsável pela iniciativa periférica mapeada em 109 registros. O número de responsáveis negros (pretos e pardos) atuando em áreas periféricas é de 55%, sendo 36,7% autodeclarados pardos e 19,27% autodeclarados pretos, enquanto brancos é de 40%.
Quando analisamos a distribuição territorial dos responsáveis pelos veículos por raça, verificamos que em três municípios com o maior número de iniciativas mapeadas (São Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes e Osasco), a maioria dos responsáveis são pessoas brancas.
Já quando olhamos para a distribuição geográfica de responsáveis por iniciativas pela raça/cor negra (soma de pretos e pardos), vimos que em outras cidades, com menor número de iniciativas mapeadas, se destacam. A exceção vai para São Paulo, que teve a maioria dos responsáveis autodeclarados pretos ou pardos (sendo 7,34% autodeclarados pardos e 3,67% pretos). Em Mogi das Cruzes, 4,59% se declararam pardos e em Ferraz de Vasconcelos foram 3,67%.
As cidades de Cajamar, Carapicuíba, Embu das Artes, Franco da Rocha, Guarulhos, Mauá, Rio Grande da Serra, Salesópolis, São Bernardo do Campo, Cotia, Ferraz de Vasconcelos, São Bernardo do Campo, Suzano e Taboão da Serra tem menos de 1% dos responsáveis pelas iniciativas autodeclarados pretos ou pardos.
A maioria das iniciativas detalhadas tem homens cisgênero como responsáveis (74,8%). As mulheres estão à frente de 21,6% das iniciativas. Não foram mapeadas pessoas trans liderando iniciativas de comunicação em áreas periféricas.
Na intersecção de raça e gênero, identificamos que há maior incidência de homens negros liderando iniciativas de comunicação: 40% (total de pretos e pardos), à frente de homens brancos (31%). A soma de mulheres pretas e pardas (15%) também é maior que o número de mulheres brancas (6%) na liderança. O cenário visto na imprensa tradicional, portanto, não se repete nas iniciativas locais mapeadas, como avalia o estudo da Reuters Institute for the Study of Journalism, que mostrou que, enquanto cerca de 57% dos brasileiros se declaram pretos e pardos, nenhum negro lidera os maiores jornais, portais e emissoras do país.
Quase metade das iniciativas mapeadas (99 das 140 responderam a essa pergunta) são conduzidas por jornalistas formados (43%), conforme mostra o gráfico abaixo. A outra parte é dividida entre comunicadores populares (27%), lideranças comunitárias (11%), ativistas (10%), estudantes de jornalismo (5%) e outros (3%).
O digital ajudou a democratizar as iniciativas de comunicação – sobretudo em regiões periféricas. Do total de iniciativas mapeadas, 75,71% utilizam plataformas digitais, como perfis em redes sociais, sites e blogs, como segmento principal de atuação. Em seguida estão as iniciativas impressas (12,86%) e as rádios (por onda) (10,71%).
Quando olhamos para o formato do produto, a presença nas redes sociais com perfis, páginas ou grupos são as principais estratégias para a distribuição dos conteúdos jornalísticos nas áreas periféricas mapeadas na Região Metropolitana de São Paulo. As outras três principais formas de distribuição também estão relacionadas às plataformas Web.
Outras estratégias são complementadas por diferentes formas de distribuição do conteúdo, que acontecem simultaneamente às iniciativas principais. Outras estratégias, como uso de aplicativos de celular, cartazes e panfletos, também foram identificadas.
Cultura é a terceira temática (5%) mais coberta pelos veículos, atrás apenas de Cotidiano (75%) e ações sociais (10%). E 68,7% das iniciativas cobrem a câmara municipal.
Das 140 iniciativas mapeadas, 111 (96,40%) fazem cobertura de temas relacionados à cultura local. A cobertura de músicos locais, agenda cultural e festivais são os tópicos mais cobertos.
Das 140 iniciativas mapeadas, 108 responderam se conseguem ser financeiramente sustentáveis. Do total de respostas, 62,96% informaram que conseguem recursos de alguma forma, enquanto 37,04% produzem conteúdo sem qualquer incentivo financeiro externo, muitas vezes investindo recursos próprios, por exemplo.
Quando olhamos para a principal forma de financiamento das iniciativas, a venda de anúncios ainda é a primeira fonte de geração de renda para as iniciativas locais de comunicação. Entretanto, doações e campanhas de financiamento coletivo também estão entre as alternativas mais adotadas pelas iniciativas locais para subsidiar a produção de conteúdo. Editais de fomento aparecem como quarta forma de apoio financeiro encontrado pelas iniciativas.
A formatação com maior ocorrência entre as equipes é de 2 a 5 colaboradores (47%) e, em segundo lugar, estão as iniciativas que atuam apenas com o próprio fundador/a, representando 21% do total, como demonstrado no gráfico. Mais de 70% dos respondentes afirmaram trabalhar com voluntariado, em especial nas iniciativas que estão na faixa entre 2 e 5 colaboradores.
Outro dado relevante é que 32,6% afirmaram possuir algum processo formativo que oferecem para a comunidade onde atuam.
O que descobrimos durante o mapeamento?
Este mapeamento revela a consolidação de um movimento importante de diversidade na cobertura local e hiperlocal em São Paulo e região Metropolitana. Para quem atua na área, não chega a ser novidade, mas é importante poder olhar, a partir dos dados, que o jornalismo nas regiões periféricas desses 39 municípios está sendo liderado, majoritariamente, por pessoas negras – ainda que homens em boa parte.
Para a pesquisadora Ana Cristina da Silva Morais, moradora do Capão Redondo, o conceito de periferia, no entanto – termo usado para designar não apenas uma região geográfica, mas também bairros vulneráveis –, não fica tão evidente quando aplicado no contexto de um município menor, onde as questões territoriais e de classe são mais complexas. Por isso também, todo o trabalho de pesquisa levou em consideração não só a relação da mídia com o espaço territorial em que está inserida, mas também com as identidades locais.
Todo o levantamento foi feito de maneira virtual e durante a pandemia, por isso, um dos principais desafios das pesquisadoras foi identificar veículos locais que usam as redes sociais como principal, e, muitas vezes, único canal de difusão dos seus conteúdos. Para a pesquisadora Ariane Costa Gomes, moradora de Osasco, apesar do grande número de páginas que se identificam como noticiosas, não são muitas as que se propõem a produzir notícias locais. Entretanto, aquelas que se comprometem com o jornalismo local, atuam a partir de pautas sugeridas pela própria comunidade, o que demonstra a relação de proximidade com o público.
Também em termos de cobertura, fica evidente o protagonismo dessas iniciativas no registro de memória cultural e serviço ao público que possuem nos territórios. Mais de 96% delas atuam divulgando iniciativas culturais em seus bairros e comunidades. Ou seja, garantindo uma formação de público importante para a área.
Outro dado importante é o espaço que doações e campanhas de financiamento têm ganhado como alternativa de financiamento à publicidade. Juntas, representam mais de 25% da principal forma de sustentabilidade das organizações. Segundo a pesquisadora Katia Flora dos Reis, moradora de São Bernardo do Campo, isso pode ser um reflexo dos efeitos econômicos causados pela pandemia da Covid-19, já que alguns estabelecimentos fecharam. Como essa era a principal fonte de renda de muitos dos veículos, impactou diretamente na produção de conteúdo.
Das 470 iniciativas mapeadas na primeira fase, apenas 29% passaram nos nossos critérios de pesquisa. Ou seja, canais cujo foco e trabalho eram trazer informação confiável e de qualidade para o morador de sua região. Isso significa que existe uma demanda enorme por fontes confiáveis de informação local – ao mesmo tempo em que essa demanda está sendo atendida também por pessoas que não estão qualificadas para fazer este trabalho. Isso tem gerado, especialmente nas redes sociais, um alto volume de desinformação.
Se faz, portanto, necessário, qualificar e prover estrutura para que essas iniciativas possam prosperar e contribuir para a criação de um sistema de informação saudável, que dê às comunidades autonomia e sirva como ferramenta de acesso a serviços, cultura e direitos. Dicas para mapear os veículos de comunicação no seu território
Se você achou esse trabalho importante, você pode contribuir enviando este formulário para iniciativas que você conhece no seu território e que não foram mapeadas ainda. Ou então, buscando você mesmo. Aqui vão algumas dicas:
Agradecemos a todos os 140 veículos que participaram da nossa pesquisa enviando informações importantes sobre sua atuação, cotidiano e desafios. À equipe de pesquisadoras e coordenação do projeto, à Secretaria de Cultura de São Paulo a aos financiadores do projeto :)