Os novos formatos do jornalismo cultural produzidos por veículos locais

Muito mudou com o avanço da tecnologia, mas isso não significa que não havia cultura e jornalismo antes das conexões virtuais. Pelo contrário...

Katia Flora (reportagem) / Gisele Alexandre (edição)
03/03/2021
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Se você nasceu depois dos anos 2000, talvez não consiga nem imaginar como era o mundo antes da internet. Realmente tudo mudou com o avanço da tecnologia, mas isso não significa que não havia cultura e jornalismo antes das conexões virtuais, muito pelo contrário.

O jornalismo cultural, que é como chamamos a dedicação de um profissional em atuar na divulgação de pautas sobre cultura de uma forma geral, ganhou visibilidade no Brasil no século XIX e tinha entre seus principais representantes os escritores Machado de Assis e Mário de Andrade.

Naquela época e durante muito tempo, o único formato possível era o impresso. O processo de produção dos jornais e revistas, desde a escrita até a impressão, era muito diferente do que temos nos dias atuais. Mas o objetivo sempre foi o mesmo: disseminar cultura para o maior número possível de pessoas.

Com os avanços da tecnologia, o surgimento da internet e a multiplicação dos meios digitais, os veículos de comunicação seguem criando novos formatos para atrair o público. No Mapa do Jornalismo Local, algumas iniciativas jornalísticas se dedicam em produzir conteúdo em diferentes formatos, é o caso do site Zona Suburbana, de Mauá, município com pouco mais de 400 mil habitantes que fica na região do ABC Paulista.

O site, que em 2022 completará 10 anos, é voltado para o público jovem e está sempre em busca de interagir com sua audiência nas redes sociais. Com o foco na cena musical, os comunicadores do veículo ficam atentos às novidades a todo momento.

“Começamos o site com rappers e artistas locais das periferias. Agora divulgamos músicas de todos os estilos, como funk, rap nacionais e internacionais”, diz Douglas Abraao Rafael, 39, fundador do site Zona Suburbana.

Segundo Douglas, para produzir os conteúdos o veículo recebe material de divulgação das assessorias e também faz pesquisas sobre novos artistas ligados à cultura de rua. A equipe conta com quatro profissionais que dedicam parte do seu tempo para criar conteúdo para o site, mas como todos são voluntários e precisam dividir o seu tempo com outras atividades, nem sempre é possível dar conta de todo o trabalho. Mas, mesmo com todas as dificuldades, o veículo já soma mais de 11 mil seguidores no Instagram.

Outro projeto de jornalismo local multiformato e que também tem como missão divulgar a cultura do seu território é o Guarulhos Cultural, fundado em março deste ano pela jornalista Carla Maio, 48, assessora de imprensa, em parceria com Vitor Souza, 39, produtor cultural, ambos moradores de Guarulhos, município com mais de 1,2 milhão de habitantes.

“Vivemos um excesso de informação e todos buscam um espaço na atenção das pessoas. No nosso caso, focamos na cultura local, e utilizamos diversas plataformas para interagir com o público”, comenta Carla. “Na elaboração das pautas, buscamos sempre destacar o protagonismo dos artistas envolvidos nos projetos e ações”, completa.

Com a pandemia, por conta da suspensão das atividades presenciais, a divulgação dos eventos mudou bastante. Como alguns artistas decidiram investir no formato online, os veículos de comunicação precisaram também inovar em seus conteúdos. O Guarulhos Cultural realiza lives curtas chamando o público para participar das programações culturais da cidade e, além disso, também criou um podcast semanal de entrevista, chamado 1001 Noites de Cultura em Guarulhos, que convida os artistas da região para contarem sobre a produção local.

“As redes conectaram os fazedores periféricos, e isso permitiu com que, além do fato da cultura fervilhar nesses territórios, a rede que eles começaram a desenvolver dialogue de forma cada vez mais rápida”, explica Carla.

E por falar com podcast, esse foi um dos formatos que mais cresceu em 2020. O Da Ponte Pra Cá, podcast do Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo que tem cerca de 270 mil moradores, foi lançado há cerca de cinco meses e já soma quase 2 mil inscritos no canal do Youtube. O fundador Robson Ferreira Alves, 38, videomaker, teve a ideia de criar o canal durante a pandemia, quando estava sem trabalho. “ Meu trabalho de videomaker foi afetado e os eventos caíram. Resolvi estudar o Youtube e abri um canal de séries e filmes, mas não ganhava dinheiro”, comenta.

Robson diz que no seu aniversário, um amigo que mora no Japão ligou e comentou sobre o crescimento do segmento de podcast no Brasil. Ele achou a ideia interessante e com doações desse amigo e da esposa abriu o canal onde entrevista artistas, empreendedores e influenciadores da região onde mora. De acordo com ele, a escolha do nome Da Ponte Pra Cá tem o intuito de provar que na periferia as pessoas têm sonhos e também fazem a diferença.

“Liguei para meus amigos como rapper Cocão e Josias para dar entrevista, porque já conheciam o meu trabalho. Por serem os primeiros a participar do podcast, me senti seguro e sabia que eles não recusariam o convite”, diz Robson. Atualmente o Da Ponte Pra Cá está apenas no Youtube, mas o criador do canal diz que tem planos de desenvolver um site e ter um canal com seus conteúdos no Spotify.