Influência do jornalismo local na construção da identidade cultural dos territórios

Há quase 10 anos em circulação, o Jornal Cultural é um veículo impresso, distribuído mensalmente no distrito de Perus, que fica na zona noroeste de São Paulo e tem cerca de 80 mil moradores, e no município de Caieiras, que possui 86 mil habitantes

Jessica Silva (reportagem) / Gisele Alexandre (edição)
03/03/2021
COMPARTILHE

“Todo bairro ou cidade precisa de um jornal para contar a história passada e registrar o hoje, com suas lutas, angústias e o dia a dia da comunidade”. É assim que o ativista Paulo Rodrigues dos Santos, 58, idealizador do Jornal Cultural de Perus define a importância do jornalismo local na construção da identidade de um território.

Há quase 10 anos em circulação, o Jornal Cultural é um veículo impresso, distribuído mensalmente no distrito de Perus, que fica na zona noroeste de São Paulo e tem cerca de 80 mil moradores, e no município de Caieiras, que possui 86 mil habitantes. Para o criador do jornal, a comunicação local é um instrumento de extrema importância . “O jornalismo local é fundamental para o desenvolvimento de uma região. E aí, quando eu coloco desenvolvimento não estou falando só econômico ou empresarial, mas também cultural e humanístico”, conta Paulo.

O Jornal Cultural nasceu a partir da necessidade que Paulo tinha em divulgar um projeto pessoal de cultura. “O primeiro jornal tinha quatro páginas e falava do meu projeto cultural que era sobre a Estrada de Ferro Perus de Pirapora que eu estava restaurando junto com outros amigos”, lembra.

Na época, Paulo era presidente de uma ONG (Organização Não Governamental) e pedia patrocínio para comerciantes da cidade para imprimir o jornal. “Quando fui receber desses anunciantes, dois meses depois, eles falaram assim: ‘Ué, mas o jornal vai ser só um? A gente gostou, deu retorno, deu mídia’. E aí eu parti pro número dois”, explica.

No primeiro ano, foram impressas oito edições e o número foi crescendo. “Não foi uma coisa muito pensada, mas a aceitação vem desse enfoque que a gente dá ao bairro, que respira muita cultura e sobretudo um bairro muito pessoal. A gente dá esse enfoque cultural, além de falar do passado e relembrar histórias antigas”, comenta Paulo.

O jornal tem cerca de 50% de seu conteúdo voltado para cultura, incluindo pautas sobre coletivos da região, memórias do bairro e divulgação de artistas locais. É um dos poucos da região, e tem se mostrado um instrumento importante na construção da identidade territorial de Perus. A edição do mês de setembro deste ano, por exemplo, trouxe a história da

“Comunidade Cultural Quilombaque”, que realizou a celebração de 16 anos de atuação com uma série de atividades virtuais como sarau, bate-papos e shows online.

“As pautas chegam por amigos e coletivos culturais. O impacto é percebido nas ruas, quando somos abordados pelos leitores e pelas redes sociais”, diz Paulo.

Do outro lado do mapa, em Mogi das Cruzes, cidade com quase 390 mil habitantes, o cenário é um pouco diferente. No Mapa do Jornalismo Local podem ser encontrados 29 veículos deste território, criados por jornalistas, estudantes e líderes comunitários que ampliam e divulgam informações sobre a cultura local da região.

Leandro Cesaroni, 33, jornalista pós-graduado em jornalismo cultural, é editor-chefe do Notícias de Mogi, um veículo com três anos de atuação no município. De acordo com o jornalista, a produção de conteúdo é feita por meio de uma “ronda” que inclui a verificação em sites e perfis de redes sociais de órgãos públicos, espaços culturais, artistas, coletivos, produtoras, entre outros. “Muitas pautas também chegam até nós por e-mail ou WhatsApp, oriundas dessas mesmas fontes”, explica.

Segundo Cesaroni, a relação do portal com a população local é mantida principalmente por meio das redes sociais. “Como possuímos uma rede de distribuição de conteúdo por meio do WhatsApp, muitas pessoas nos procuram através do aplicativo para fazer sugestões, elogios e reclamações”, relata.

Para Leandro, o jornalismo local se tornou ainda mais essencial nos últimos anos devido à crescente onda de desinformação. “Em tempos de pandemia, potencializada com pânico e ‘fake news’, o trabalho do jornalismo local tem ajudado a orientar a população, seja com dados da Covid-19, informações sobre a quarentena e a vacinação ou a respeito de benefícios sociais emergenciais”, diz.

Além disso, “o jornalismo local tem o papel de legitimar, ou não, o que se ouve na vizinhança ou no ‘busão’”, conclui Leandro.

Identidade Territorial

No dicionário, identidade significa uma série de características próprias de uma pessoa ou coisa por meio das quais podemos diferenciá-la. A identidade de um território é definida pela sua cultura e o papel do jornalismo local é essencial para sua construção.

O fato de ainda existirem “desertos de notícias” no Brasil, ou seja, municípios que não possuem nenhum veículo de comunicação, faz com que a informação não chegue em determinadas regiões. Esse é um dos fatores que podem negligenciar a construção de uma identidade territorial e, consequentemente, sua visibilidade.

Essa falta de identificação é explícita principalmente em bairros periféricos da região da Grande São Paulo. Como é o caso do distrito de Jundiapeba, periferia da cidade de Mogi das Cruzes. O bairro possui cerca de 80 mil habitantes e conta somente com dois veículos de jornalismo: o Jundiapeba TV e o Jornal de Jundiapeba.

Jonas Alves de Mello de Ferraz, é dono da Jundiapeba TV, página no Facebook que tem mais de 22 mil seguidores. “A gente realiza, de certa forma, uma distribuição de informações, explicamos de uma forma simbólica e resumida para que todos possam entender”, explica Jonas.

A página existe há quatro anos e nasceu a partir de um grupo no Facebook que Jonas tinha com os moradores do bairro há nove anos. “Foi a partir do grupo que eu criei a página, para atrair a geração mais nova”, comenta.

De acordo com Jonas, o fato de existir um veículo de comunicação local faz com que a população se sinta acolhida e reconhecida, já que não há representatividade da região nas matérias produzidas pelos veículos de mídia tradicional. “As mídias convencionais são muito formais, e na maioria das vezes não conseguem se comunicar bem com o público das periferias”, conta.

O contato com o público vai além das redes sociais. Jonas explica que as pessoas o reconhecem nas ruas e param para conversar. “Eu gravo bastante vídeo porque às vezes não dá pra escrever. Trabalho em uma indústria e cuido da página fora do horário comercial”, explica.

O foco na cultura local e a proximidade com os moradores são as principais características da Jundiapeba TV. Além de cuidar da página, Jonas também é guitarrista de uma banda em Mogi e sente na pele a falta de espaço para os artistas locais nos veículos tradicionais. “Como artista, a gente vê que tanto a prefeitura, quanto a grande mídia dá muito apoio pra quem já tem uma carreira sólida. Os artistas locais, das periferias, são pouco divulgados, por isso a comunicação local é importante”, finaliza Jonas.